sábado, 12 de junho de 2010

A CHEGADA DA CAIXA DE ABELHAS

Poema presente no livro Ariel de Sylvia Plath



Encomendei esta caixa de madeira


Clara, exata, quase um fardo para carregar.


Eu diria que é um ataúde de um anão ou

De um bebê quadrado

Não fosse o barulho ensurdecedor que dela escapa.


Está trancada, é perigosa.
Tenho de passar a noite com ela e
Não consigo me afastar.
Não tem janelas, não posso ver o que há dentro.
Apenas uma pequena grade e nenhuma saída.


Espio pela grade.
Está escuro, escuro.
Enxame de mãos africanas
Mínimas, encolhidas para exportação,
Negro em negro, escalando com fúria.

Como deixá-las sair?
É o barulho que mais me apavora,
As sílabas ininteligíveis.
São como uma turba romana,
Pequenas, insignificantes como indivíduos, mas meu deus, juntas!

Escuto esse latim furioso.
Não sou um César.
Simplesmente encomendei uma caixa de maníacos.
Podem ser devolvidos.
Podem morrer, não preciso alimentá-los, sou a dona.

Me pergunto se têm fome.
Me pergunto se me esqueceriam
Se eu abrisse as trancas e me afastasse e virasse árvore.
Há laburnos, colunatas louras,
Anáguas de cerejas.

Poderiam imediatamente ignorar-me.
No meu vestido lunar e véu funerário
Não sou uma fonte de mel.
Por que então recorrer a mim?
Amanhã serei Deus, o generoso – vou libertá-los.


A caixa é apenas temporária.





Diante da Lei

Conto de Franz Kafka presente no livro "O Médico Rural"

Diante da lei está um porteiro. Um homem do campo chega a esse porteiro e pede para entrar na lei. Mas o porteiro diz que agora não pode permitir-lhe a entrada. O homem do campo reflete e depois pergunta se não pode entrar mais tarde.
- É possível - diz o porteiro - Mas agora não.
Uma vez que a porta da lei continua como sempre aberta e o porteiro se põe ao lado o homem se inclina para olhar o interior através da porta. Quando nota isso o porteiro ri e diz:
- Se o atrai tanto, tente entrar apesar da minha proibição. Mas veja bem: eu sou poderoso. E sou apenas o último dos porteiros. De sala para sala porém existem porteiros cada um mais poderoso que o outro. Nem mesmo eu posso suportar a simples visão do terceiro.
O homem do campo não esperava tais dificuldades: a lei deve ser acessível a todos e a qualquer hora, pensa ele; agora, no entanto, ao examinar mais de perto o porteiro, com o seu casaco de pele, o grande nariz pontudo, a longa barba tártara, rala e preta, ele decide que é melhor aguardar até receber a permissão de entrada. O porteiro lhe dá um banquinho e deixa-o sentar-se ao lado da porta. Ali fica sentado dias e anos. Ele faz muitas tentativas para ser admitido e cansa o porteiro com os seus pedidos. Às vezes o porteiro submete o homem à pequenos interrogatórios, perguntando-lhe a respeito de sua terra natal e de muitas outras coisas, mas são perguntas indiferentes, como as que os grandes senhores fazem, e para concluir repete-lhe que não pode deixá-lo entrar. O homem que havia se equipado com muitas coisas para a viagem, emprega tudo, por mais valioso que seja, para subornar o porteiro. Com efeito, este aceita tudo, mas sempre dizendo:
- Eu só aceito para você não julgar que deixou de fazer alguma coisa.
Durante todos esses anos o homem observava o porteiro quase sem interrupção. Esquece os outros porteiros e este primeiro parece-lhe o único obstáculo para a entrada na lei. Nos primeiros anos amaldiçoa em voz alta e desconsiderada o acaso infeliz; mais tarde, quando envelhece, apenas resmunga consigo mesmo. Torna-se infantil e uma vez que, por estudar o porteiro anos a fio, ficou conhecendo até as pulgas de sua gola de pele, pede à estas que o ajudem a mudar de opinião. Finalmente sua vista enfraquece e ele não sabe se de fato está ficando mais escuro em torno ou se apenas os olhos o enganam. Não obstante, reconhece agora no escuro um brilho que irrompe inextinguível da porta da lei. Mas já não tem mais muito tempo de vida. Antes de morrer, tidas as experiências daquele tempo convergem na sua cabeça para uma pergunta que até então não havia feito ao porteiro. Faz-lhe um aceno para que se aproxime, pois não pode mais endireitar o corpo enrigecido. O porteiro precisa curvar-se profundamente até ele, já que a diferença de altura mudou muito em detrimento do homem:
- O que é que você ainda quer saber? - pergunta o porteiro. - Você é insaciável.
- Todos aspiram à lei - diz o homem. - Como se explica que em tantos anos ninguém além de mim pediu para entrar?
O porteiro percebe que o homem já está no fim e para ainda alcançar a sua audição em declínio ele berra:
- Aqui ninguém mais podia ser admitido, pois esta entrada estava destinada só a você. Agora eu vou embora e fecho-a.


Animação a partir do conto "Diante da Lei" de F. Kafka que introduz o filme "O Processo"de Orson Welles.

um primeiro sopro de voz

Ausência de tudo.
Como lidar com tantas barreiras? Muralhas? Como lidar com a vida vista a partir dali?
Difícil escrever. Compor palavras. Trançar pra fora do peito, pra fora das grades. Explode de repente um marear dos olhos. Não convidado, invasor, eco dos nãos que se aninham no peito e da visão de um desmoronar de mundos.
Continuarei sem escrever muito, sem por pra fora o tanto, o urro, o susto. Susto murado. Susto mudo. Ainda não sei como... mas escrevo por sentir necessário o movimento... mover esse espaço de contato... Outras coisas povoarem suas páginas. Outras cores... Encho-as de textos de outros. Outros... para as palavras deles preencherem por hora esse silêncio.