segunda-feira, 29 de junho de 2009

Ultimo Encontro Aberto com Luiz Fuganti!!

O Grupo do Trecho gostaria de convidá-los para o Ultimo Encontro Aberto com o Filósofo Luiz Fuganti.

Os encontros fazem parte do projeto Contos de Lua no Chão, contemplado pelo ProAC 2009, no qual estamos trabalhando contos do Mia Couto, através de processos de residência artística no Largo de Santa Cecília. Luiz Fuganti é orientador teórico desse trabalho... As aulas/conversas devem girar em torno de temáticas ligadas à pesquisa e aos interesses do Trecho: a instituição, a lei, a marginalidade, a arte como possibilidade de ruptura, a arte como válvula criadora de potência de vida...

Nosso desejo é que esse seja mais um espaço de troca, fluxo e força para quem se interessar por tais questões e quiser se aproximar do trabalho e das reflexões do grupo.

O encontro é aberto e gratuito e não é necessário ter vindo nos anteriores para participar desse...


Data: quarta-feira, 1 de julho de 2009
Horário: 9h
Local: Rua Arruda Alvim, 112 - próximo da estação Clínicas do metrô

Qualquer dúvida, ligar para: 01195373611

terça-feira, 23 de junho de 2009

carol desabitada dos olhos.

quem me conhece às risadas largas, ágil e ativa, quase que hiperativa, correndo a vida qual pequenino vulcão, me desconheceria desprovida dos olhos. desconhecí-me eu mesma em mim mesma. vivendo a vida qual vivo, qual vivo, assim, sempre irrompendo meu cotidiano e à rua e a rua me torcendo do pé ao ânus à boca ao fio de cabelo em mudança de cor e comprimento... como poderia supor que o simplesmente de por uma venda nos meus olhos e não usá-los por vinte e quatro horas desabitaria de mim uma Carol que me assegurava como um ser-completo-eu... essa Carol-liberta de afetos intensos, pois, revelou-se também mascara, personalidade construida com a qual me defendo de meus próprios movimentos, proteção relacional de uma Carol que não tenho como conhecer... pois que ela se move, e só posso conhecê-la a cada passo.

Tapar os olhos me quebrou. Quebrei-me. Em caco feita... não vários cacos... mas um pequenino caco apenas, perdida de toda minha intensidade corpo, de toda a expansividade explosiva que se move a olhos esternos, toda a intensidade revertida para dentro do peito, pequenino caco de vidro na escuridão virei.

Num de repente, não propunha mais nada a vida. A vida que propunha a vida em mim. Eu não podia controlar nada e nem dimensionar como deveria ser esse me ver nesse caminhar inseguro a passos miuditos e temerosos. Sem vontade de falar. Sem vontade de estar no meio de muita gente... querendo a calma de um tempo escorrido, para apenas conversar comigo ali no meu dentro, o olho virado para o imenso mundo descontrolado e disforme desses afetos íntimos e silenciosos. Afinal, o tudo dissolvido nessa massa amorfa tempo e cheiro e forma e som mesclados numa só coisa-acontecência (era impossível dissociar uma coisa da outra), me dava a sensação de estar flutuando no nada.

(era também impossível criar objetivos e colocar sentidos fixos nas coisas)

(o mesmo travesseiro que gentilmente se mantinha no lugar e me oferecia colo, se caísse me oferecia obstáculo e eu caia tropeçando nele... e eis que o travesseiro nunca se oferecia enquanto unívoco e travesseiro... ele era o que ele ocorria em mim... e as vezes ocorria em mim qual colo e as vezes ocorria em mim qual rasteira)

(dormir e acordar não se separavam de fato em acontecimento, pois que o olho não se abria para destinguir estados, então que eu vivia nos dois, sonho e vida acordada também mesclavam-se na grande massa-vida em acontecimento)
Destituir cada segundo de um sentido para além dele mesmo, retirou de mim qualquer certeza, meu corpo enmiudou e tinha medo de sair para fora do portão. Porque, afinal, eu não poderia ter controle de como a vida aconteceria em mim e como o dentro de mim aconteceria em relação a como a vida aconteceria em mim e a sensação era de que eu podia morrer um segundo depois apenas por não ver um buraco que aconteceria num de repente a frente do meu pé. ou uma mão que aconteceria num de repente no meu pescoço. ou uma dentada que aconteceria num de repente na minha coxa. ou um nada que aconteceria e eu ficaria imersa na solidão da inatividade.

E tudo era muito. Muito. Porque não era eu que pedia o tudo. Não era eu que conduzia uma situação de afeto ou rancor dos outros em relação a mim... Então que se me rejeitavam era sempre um susto... Então que se me protegiam e cuidavam era sempre um susto... Então que se eu num dentro de mim sentia o que faziam comigo como rejeição ou afeto, era sempre um susto. Impossibilitada da certeza, cansava o cada segundo, pois que a vida sempre e sempre se ofertava ou como presente ou como murro.

(escorreram-se lágrimas do olho posto em descanço pelo afeto nítido do cão em minhas pernas)


Apenas num vendar de olhos a vida como esse grande nada do qual a oferta não se escolhe do qual o passo não oferece objetivo se abriu e me mostrou minha pequenina fragilidade incompetente. que em verdade não desesiste quando me desvendo. é que vendada não posso mentir a mim qualquer controle sobre meus passos.

e isso, de existir ininterruptamente correndo sempre o risco de que se interrompa também esse existir a qualquer momento, isso de a vida descontroladamente continuar acontecendo independente do seus objetivos, isso de a vida acontecer em você, sempre e sempre nova e descontrolada, sem parar sem parar sem parar... e isso de que você não pode impedir que a vida siga sua massa acontecência e que em verdade o segundo seguinte é já uma nova inaugurada vida e você uma nova inaugurada coisa e os outros e tudo também... isso apavora. apavora o corpo eficiente.

que isso de ser pequenino e de entender-se assim e não entender-se poderoso e enorme, isso de ser pequenino é permitir que a vida atravesse como surpresa e permitir o rebatismo a cada esquina ou dobra de joelho... é abrir o corpo a rasteira, seja de gozo ou de dor profunda. E é difícil aceitar esse tanto. apenas abrir o corpo a vida... é tarefa de matéria quase louca... fluxo contrário da vida que se pede aprisionada.

desconfiada de mim desde esse instante peço da vida junto com ela suas surpresas de agora ser diferente de agora e diferente de agora... desabotôo (e abotôo de novo em seqüencia, é difícil abrir mão do inequívoco) a precisão de minhas escolhas e grito em silêncio o escorrer de minha matéria pelos bueiros do existir; sabendo de que sou burra em de novo pintar objetivos e sabendo que a vida por nada é muito.
(encerro a digressão. e rebatizo a carol que agora enxurrou pensamentos, para outra que caminhará para outra vida, para além dos teclados, da tela, desse quarto e dessa porta)

domingo, 14 de junho de 2009

Impressões imediatas de uma cegueira temporária

Solidão. Impossibilidade de me distrair. A vida é mesmo um fato sem sentido. E eu faço bem pouca diferença no mudo. Olhando em volta eu finjo esquecer disso. Assim, cega, não me torno mais frágil do que o normal, mas torno a minha fragilidade mais explícita. Sim, quero e preciso de contato e carinho. Mas já que escolhi ficar assim exposta, então é problema meu e eles tem afazeres muitíssimo mais importantes mais importantes e burocráticos, essenciais. E estão cansados de seus trabalhos e querem dormir à tarde. Eu, agora, me sinto vitoriosa em conseguir comer sozinha e lavar toda a louça! E consigo me enxergar por dentro e aos outros por dentro também. Em terra de cegos, quem consegue enxergar é louco. Quero dormir e sonhar, sonhar que enxergo através da venda vermelha. E quero ficar quieta, sou capaz de me manter horas imóvel na praça, apenas sentindo o ar, e ouvindo a vida.... Os ruídos da rua participam das músicas que escuto e eu entro nelas. Tudo está mais perto e mais distante. No começo o toque desenha a lembrança da imagem, com o tempo tudo vai ficando escuro e são as formas que me habitam. Formas e sensações. É disso que o mundo é feito. E esse mundo é outro que não o que eu vivi até hoje. Uma mão que me conduza é a maior beleza possível. E caminhar na praça sozinha em mundo desconhecido foi a maior vitória. Pessoas estranhas me ajudaram sem pedir explicação. E então a vida faz algum sentido. Liberdade e medo se mesclam. A realidade é como percebemos as coisas, e não uma espécie de fato. O abraço é algo que faz sentido e me dá sentido. O prazer do amor é ainda maior se posso me entregar e ser pequena. Sou explicitamente pequena, e isso faz mais sentido do que a grande máscara do dia-a-dia. Talvez eu não devesse voltar a enxergar.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Diamantinha eu.

fotos: Verônica Fabrini.

Componho aqui um primeiro relato. Um primeiro relato que parte do primeiro conto e dos primeiros meses desse trabalho... Tenho vivido muito e materializado muito pouco em palavras... talvez os escritos abaixo pareçam um emaranhado confuso... mas sigo para por pra fora um pouco do dentro de mim.


Diamantinha tece um choro que escorre pra fora dela... um choro que não tem a ver com uma dor própria... um choro que sózinho sustenta o mundo, porque ela se oferta em fragilidade e peito aberto: coelho em cova de leões. Destroçada por eles e reerguida também por um deles, um travestido: leão em pele de coelho (aprendendo de se "delicalizar"). 


Eu choro sempre e muito... mas oculto minha doçura e sensibilidade numa armadura macha e preparada... mundo de homens e de mulheres afeitas em homens... pois não se trata de busca de exaltar potências, mas de busca de poder e o poder oferece-se nessas condições masculinas e castradoras do sensível. 



Diamantinha não, ela cura e é percebida porque expõe o peito frágil, expõe a força de qualidade uterina que é a de afetar-se... E essa mesma vem sendo a minha busca, dolorida e potente, de abrir o peito ao mundo... o peito curvo de um corpo miudo de mulher. Esse vem sendo meu aprendizado em doses diárias... aprendizado interminável e somatizante: o que importa são os afetos reais criados, os novos afetos, a partir dos quais se criam ainda mais novos afetos, a partir dos quais se reinventa a vida. As menores sutilezas de encontro que vem escancarado as maiores potências de explosão. 

Interrompo minha digreção e sigo com a exposição descritiva de alguns quadros entre eu e Santa Cecília:

- Eu me debaia ao chão na exploração laboratorial de corpos em colapso, quando avança uma moradora de rua e enfia o dedo na minha boca. Era Maria. Maria chorava. Maria disse que era como eu, que eu e ela sofríamos de uma doença que eu não me lembro o nome. Ela era delicada e bonita, apesar do desgaste da vida na rua... tinha uma doçura explicitada no tic.tac. que prendia a franja em seu cabelo. Maria me tirou do chão, me levou aos meus. Eu e ela, nós nos abraçamos por perdi conta do tempo. Maria me salvara. Ela era Diamantinha. Desde esse dia, nos falávamos sempre, irmanadas. E eis que de um quando, ela sumiu... carregada para fora do largo como muitos antes também foram, empurrada por sabe-se lá quem, para um albergue sabe-se lá aonde.



- Estava em Diamantinha afeita, um homem, também casado à rua, reza pra mim de verdade intensiva, se ajoelha e me pede a benção... como se faria com Diamantinha, me conta seus problemas; como eu fosse diamantinha, choro; como meu choro funcionasse, ele foi embora aliviado. Havia plateia. E eles estavam mudos. Nossa imagem era filmada por um dos atores, explicitando as lágrimas que apareciam simultaneamente na TV.



- Uma pomba femea moribunda que não conseguia mais voar, não conseguia mais comer, não conseguia mais beber água, não conseguia mais gorjear e mal conseguia andar, passou suas ultimas horas sendo violentada e bicada por pombos machos, jovens e saudáveis.

Fim do meu primeiro relato.